Por: Christopher Walker
Estamos vivendo em tempos difíceis. Para onde quer que você olhe, há crise, falta de esperança, falta de soluções. Na política, corrupção; na vida econômica, desigualdades sociais vergonhosas; na educação, desilusão e falta de modelos; na cultura, imoralidade e relativismo total; na sociedade, criminalidade, insegurança, isolamento e alienação. O pior de tudo – para nós cristãos – é que quando olhamos para a igreja, que deveria ser luzeiro de esperanças no meio das trevas, vemos as mesmas crises e estatísticas que há no restante da sociedade.
Não precisamos repetir aqui que a raiz de tudo isso está no desmoronamento da unidade familiar. Mais do que isso: nenhuma mudança verdadeira ou duradoura ocorrerá na sociedade sem mudanças anteriores e radicais no lugar onde tudo começa, na própria célula fundamental da sociedade. Não adianta, por exemplo, pensar em mudar o sistema educacional sem mudar a formação que as crianças recebem no lar; será inútil passar leis de moralidade no Congresso se não redescobrirmos como estabelecer e transmitir verdadeiros padrões morais dentro de casa – e assim sucessivamente.
Na igreja, isso deveria ser mais evidente ainda, embora na prática não o seja: podemos implantar modelo após modelo de estrutura, crescimento e multiplicação, podemos até levar a igreja de volta aos lares, o que representa um grande e fundamental retorno à prática original da igreja primitiva – porém se não houver restauração da própria família, nada de essencial mudará. A igreja continuará anunciando salvação e bênçãos pessoais, ao mesmo tempo que vive, em grande parte, os mesmos dilemas e falhas do resto do mundo.
A família está doente, desajustada, desestruturada. Por quê? O que aconteceu? Por um lado, podemos dizer que, sem Deus, a família sempre teve e sempre terá problemas. Porém, nas últimas décadas, a situação vem se agravando porque o homem, a peça chave que, de acordo com o plano original na Bíblia, representa a conexão vital entre a família e Deus (veja 1 Co 11.3), está cada vez mais distante do seu devido papel. E quando o homem sai do seu papel correto, todas as demais funções na família ficam desajustadas também.
O Papel Perdido do Homem
Durante muitos séculos, principalmente nos países que tinham influência cristã, o homem conhecia seu papel na família. Havia modelos errados, havia abusos, havia opressão e tirania, mas também havia muitos modelos certos. Mesmo nas famílias que não eram cristãs, havia uma semelhança ou sombra do padrão bíblico. O homem não só supria a família com sustento material, mas trazia direção, visão e identidade.
O padrão original de Deus pode ser visto em diversos exemplos bíblicos: Noé levando sua família toda para a arca (Gn 6.18; 7.1,7), Abraão deixando sua parentela para seguir uma palavra de Deus e ordenando a seus filhos depois dele (Gn 12.1; 17.23; 18.19), Josué definindo o futuro de sua família (Js 24.15), o carcereiro de Filipos trazendo toda sua família ao reino de Deus (At 16.31-34). Na qualificação dos líderes na igreja primitiva (1 Tm 3.4,5,12), um dos principais requisitos era o de que o homem estivesse cumprindo plenamente o seu papel.
Com as tendências do mundo secular, cada vez mais distantes dos alicerces cristãos, a pressão tem sido enorme no sentido de negar ao homem esse papel de prover liderança, visão e identidade à família. Embora seja verdade que no passado a mulher tenha sido oprimida e sufocada em muitos sentidos, sua emancipação para uma posição de igualdade no lar e na sociedade deixou o homem perplexo e sem função.
Como geralmente acontece, a situação saiu de um extremo e foi para outro: o homem não só deixou de exercer controle absoluto e tirânico sobre a mulher e os filhos, deixou também de oferecer qualquer tipo de direção. Decisões são tomadas “democraticamente”, o que resulta, muitas vezes, em conflitos, separações, direções independentes em que cada membro da família faz o que bem entende, ou retração e passividade por parte do homem. Como a mulher, agora, geralmente trabalha, nem a função de prover sustento é mais uma função exclusivamente masculina.
O homem está se tornando, progressivamente, uma peça inútil e desnecessária na família. As estatísticas mostram um número cada vez maior de mulheres que são cabeças do lar – o que deixa ao homem uma mera função biológica de procriação.
Até na igreja tornou-se impopular falar a respeito da função de liderança do marido. Ninguém quer correr o risco de fortalecer ou apoiar aquela imagem ultrapassada de homem machista e dominador. Enfatiza-se, pelo contrário, a importância de ajudar a esposa nos afazeres domésticos, de ser mais meigo, mais afável, mais carinhoso (o que não deixa de ser um aspecto importante e verdadeiro!).
O problema é que não há um entendimento ou fortalecimento do verdadeiro papel que Deus deu ao homem. E isso faz parte de uma grande estratégia do inimigo para domesticar e emascular o homem e para privá-lo de sua maior e mais essencial contribuição, deixando-o frustrado e inoperante. Pois, com isso, Satanás consegue desvirtuar a família e afetar radicalmente a igreja e a sociedade.
O resultado é isto que estamos vendo hoje, dentro e fora da igreja: homens sem identidade, frustrados, passivos ou irados (de acordo com o temperamento), sentindo-se inferiores, sem qualificações para encontrar sua verdadeira hombridade e função na família, e tentando se esconder ou refugiar em várias formas enganosas de compensação.
Um dos aspectos mais assustadores de tudo isso é que forma um processo cíclico, que piora a cada geração. Pois os homens que perderam sua identidade naturalmente não conseguem transmitir hombridade e senso de destino para os filhos. E estes, por sua vez, terão uma dificuldade maior ainda para passar algo de valor para a próxima geração.
O Nome da Doença
A situação está tão grave que vários autores (como Gordon Dalbey, John Eldredge, em Coração Selvagem, Mike Genung e outros) já estão diagnosticando essa deficiência nos homens como a ferida do pai.
Chama-se ferida do pai porque consiste na quebra do ciclo natural e saudável que Deus instituiu, no qual o pai transmite ao filho a bênção que inclui o nome (identidade), um senso de valor, uma visão (destino) e a segurança de que será capaz de alcançá-la. O pai é o único, na família, que é capaz de dar uma resposta firme e segura à grande pergunta que brota em todo coração masculino: Eu sou capaz? Tenho o que é necessário para ser um homem? (veja texto ao lado, A Grande Pergunta).
Quando essa função não é exercida na vida de um garoto, um abismo é gerado no seu interior, que se manifesta como vergonha, falta de direção, insegurança, necessidade de se afirmar etc. (A função do pai é essencial na formação de filhas também, porém aqui nos limitaremos a falar sobre o que acontece com os filhos, por estarmos tratando do papel perdido do homem na família.)
Há duas maneiras principais em que a ferida é infligida pelo pai. Na primeira, o pai menospreza e diminui o filho, de forma direta e cruel. Pode ser através de palavras, mas pode também chegar a abuso físico e sexual. Não é preciso dizer que causa danos terríveis e, humanamente falando, irreparáveis no interior de meninos e adolescentes em formação.
A ferida mais comum, entretanto, é bem mais sutil e difícil de ser identificada. É causada pela omissão dos pais, por seu silêncio, por sua ausência nos momentos mais críticos da vida. Muitas famílias (e isso acontece com muita freqüência dentro da igreja) têm a presença física de um pai que, por uma série de razões, não sabe como exercer sua função: não dá sua bênção, não dá opinião, não encoraja, não corrige, não oferece visão ou propósito, não explica, não sabe como situar o filho dentro da vida, como ensiná-lo a tomar decisões, como escolher, como achar o rumo certo. Ele pode até ser considerado um pai bonzinho, pai amigo, pai provedor, mas está ausente nas crises, não oferece segurança, identidade ou direção.
Com um senso de incapacidade e frustração, o homem tende a deixar a criação de filhos para a mãe – ou, como ela também se ausenta cada vez mais em virtude do trabalho secular, o papel de influenciar e direcionar acaba ficando para professores, amigos ou ninguém em particular.
A princípio, o jovem adolescente pode nem achar que algo está faltando. Pode até se sentir mais independente, dono de si. Contudo, isso vai gerando um vácuo de propósito e direção, uma falta de sentido, que o acompanhará por toda sua vida. Como escreve John Eldredge, em Coração Selvagem:
Um menino aprende quem é e o potencial que tem de um outro homem ou por estar em companhia dos homens. Ele não pode aprender isso de nenhum outro lugar, não de outros meninos, muito menos do mundo das mulheres.
Gordon Dalbey também escreve em Healing the Father Wound (Curando a Ferida do Pai):
O pai chama para fora o elemento masculino no seu filho. Sem essa entrada essencial do pai, o filho não consegue se ver mais adiante como homem. Rapidamente, pavorosamente a lacuna entre a sua insuficiência como homem e a imagem do que deseja se tornar é tomada por vergonha. Entra, então, o pai da mentira (Jo 8.44), e promete cobrir essa profunda vergonha nos homens de hoje através de impulsioná-los a uma variedade de comportamentos compulsivos e dependências, que vão desde drogas e pornografia ao excesso de trabalho (conhecido em inglês como workaholism ou vício do trabalho) e legalismo religioso.
Nenhuma dessas coisas, porém, lhe dará o que não recebeu do pai.
Modelos Bíblicos
Pais omissos podem ser mais abundantes no nosso mundo moderno, mas não são uma espécie nova. Há vários exemplos bíblicos, notadamente o sacerdote Eli, que acabou reproduzindo sua paternidade omissa no profeta Samuel, que foi criado por ele junto ao tabernáculo (veja 1 Sm 2.12; 8.3). O que se nota nesses casos é a falta de uma característica essencial para que os pais passem aos filhos caráter e integridade: a disciplina.
A firmeza de convicções, a capacidade de dizer não, de exigir disciplina e caráter é uma função que Deus deu ao pai e que é essencial para gerar verdadeira hombridade. A grande falha do sacerdote Eli era de não repreender, com suficiente firmeza, seus filhos (veja 1 Sm 3.13 e 2.23). Foi também uma grande falha de Davi, pois, de acordo com 1 Reis 1.6, ele jamais contrariou seu filho Adonias, cobrando dele coisa alguma. Sabemos dos frutos amargos que Davi também colheu dessa omissão com outros filhos.
Por outro lado, Davi oferece um modelo positivo de paternidade ao passar sua visão de edificar a casa de Deus ao filho Salomão (1 Rs 2.2-4). “Sê homem”, ele lhe disse, ou seja: “Pegue a visão, cumpra o seu destino, deixe de lado outras coisas e realize a vontade de Deus”. Davi não só lhe passou o encargo, mas deu instruções, mostrou como fazer, providenciou materiais e encorajou-o para que tivesse confiança no cumprimento da grande missão (veja 1 Cr 22.6-19). Também o comissionou e o reconheceu diante de todo o povo e dos líderes de Israel (1 Cr 28.1-11, 20; 29.22-25).
É na paternidade de Deus que temos o modelo perfeito, exemplificado na Bíblia inteira, de como se deve agir, com amor, perseverança, aceitação, mas também com firmeza e convicção na disciplina. No Velho Testamento, ao mesmo tempo em que Deus tem amor e compaixão superiores a uma mãe humana (Is 49.15,16), ele jamais deixará de corrigir e disciplinar para o nosso bem (veja Êx 34.6,7 e Dt 8.16). No Novo Testamento, vemos Jesus, o Filho perfeito que agradava ao Pai em tudo, não sendo atendido na sua súplica de ser isentado do cálice amargo (Lc 22.42), porque o Pai tinha um propósito maior (Is 53.10) e não seria demovido, mesmo ao ver o sofrimento do Filho amado. Jesus tinha total confiança e segurança no amor do Pai (Jo 3.35; 10.17; 13.3), mas sabia que sua missão no mundo era mais importante que sua felicidade ou proteção pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário